Érika Giovannini's profile

Política e sétima arte

*Matéria publicada no jornal laboratório da PUC Minas
*Foto de capa: Festival da Brasília do Cinema Brasileiro/ Divulgação

Política e sétima arte

“A arte provoca fissuras. Jacques Ranciere fala que a arte provoca o dissenso, ou seja ela faz a gente sair dessa bolha de coesão e passar a ver que as coisas são fragmentadas” Pedro Vaz, doutorando em Estudos do Cinema e Audiovisual

O cinema pode contribuir para a produção e a manutenção de visões de mundo e fomentar o senso crítico de quem assiste as obras. Neste ano, foram lançadas a série “O Mecanismo” de José Padilha e o documentário “O Processo” de Maria Augusta Ramos com diferentes perspectivas e posicionamentos. Sociólogos, comunicadores e telespectadores fizeram análises sobre os impactos dos conteúdos audiovisuais na sociedade em um cenário de crise institucional.

Segundo Antonio Claret, de 33 anos, sociólogo e pesquisador do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas o cinema consegue contribuir para a formação do senso crítico e para a consciência política por ser capaz de transmitir ideias, conceitos e argumentos de forma – muita das vezes – sucinta e clara. “As produções cinematográficas têm o poder de gerarem reflexão em quem assiste de maneira muito bela e inteligível. Esse poder, por sua vez, é tanto maior quanto maior for a capacidade do diretor de tratar de temas relevantes de forma responsável,” complementa.

Pedro Vaz Perez, de 31 anos, jornalista e doutorando em Estudos do Cinema e Audiovisual pela Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense explica o impacto que os filmes podem proporcionar nas pessoas que os assistem. Para isso, ele utiliza de exemplo o filme “Que Horas ela volta”, que conta a história de uma empregada doméstica pelo olhar de uma doméstica. Pedro destaca a escolha de posicionamento da câmera: da porta da cozinha para o espaço onde a protagonista se encontra, a Val. Essa construção permite que o telespectador antes de entrar em contato com a obra talvez nunca tenha pensado sobre esse fato, porém, após assistir a produção ela passa a olhar a realidade de maneira diferente. “Ele começa a se questionar: ‘poxa tem uma empregada que mora na minha casa, está a 40 anos conosco mas ela dorme em um quarto muito precário que não tem janela. Ela é quase da família mas ela não almoça com a gente e passa o natal na cozinha’, exemplifica.

O jornalista, a partir dessa análise destaca, entretanto, como não é a obra que produz alguma mudança política ou social, mas sim como as pessoas que a assistem podem agir diretamente no mundo a partir das reflexões geradas após a relação estética com a sétima arte. “Em síntese o cinema não muda o mundo. Mas o cinema pode mudar as pessoas e as pessoas, elas sim podem mudar o mundo,” argumenta. Ele sustenta essa ideia de mudança no sentido reverberador da coisa, ou seja, o telespectador nesse caso vai mudar a relação com a sua empregada doméstica ou, a partir de outras questões postas nesse e em outras produções cinematográficas, a maneira como ele vai se posicionar diante de uma violência a um menor infrator, por exemplo.

Antônio e Pedro ressaltam a importância da dimensão ética nas produções e na responsabilidade que devem ser assumidas pelos cineastas. Para Antônio a série “O Mecanismo” é um exemplo dessa questão na medida em que ela aborda os fatos – envolvendo o escândalo da Lava-Jato – de maneira rasa. “Quando o cinema tenta tratar de assuntos específicos no calor dos acontecimentos, a superficialidade pode ser uma consequência. O Mecanismo por exemplo, faz uma espécie de sátira e de caricatura dos políticos. A série demoniza os personagens e por isso, perde a oportunidade de debater temas mais profundos, como os financiamentos de campanha, os arranjos partidários, licitação, papel do Estado e outros,” expõe o sociólogo.

Pedro faz ressalvas sobre a responsabilidade que o diretor deve assumir de construção ideológica da produção. Ele acredita que não é possível fazer uma obra cinematográfica sem ideologia e crítica as declarações de Padilha a respeito de sua produção ser neutra. O jornalista esclarece que, ainda que, o diretor aposte na neutralidade de sua obra, nesse argumento já se percebe uma ideologia, apesar dela não se assumir como tal. “Tudo aquilo que não mostra que tem um recorte, já está enviesado. A questão é que a ideologia se naturalizou ,ou seja se tornou o status quo. Então quando uma produção não se assume ideológica na verdade a ideologia dela é a dominante.” Pedro conclui dizendo que essa produção ao reforçar o status quo, se reproduzida e refeita muitas vezes durante significativo tempo, faz com que os telespectadores também passam a olhar esse viés com mais naturalização.

Carolina Cassece, de 19 anos, estudante de jornalismo e redatora da revista ZINT assistiu ao documentário “O Processo” duas vezes e conta o que achou: “é um filme muito bom, porque ele é um filme longo e cheio de nuanças. Então é importante você assisti-lo com atenção. Atenção a cada olhar, a cada expressão facial e a cada gesto porque eu acho que o principal ali é o que não é dito”. A estudante relata como os discursos presentes no processo de impeachment são muito ensaiados – confirmados pelo documentário – e como a diretora Maria Augusta Ramos consegue captar a espontaneidade dos integrantes desse evento.

Ao contrário das críticas realizadas ao “O Mecanismo”, Carolina, destaca sobre a parcialidade assumida em “O Processo” pela diretora, mas faz uma ressalva: “Maria Augusta mostra os bastidores da defesa do processo de Impeachment porque foi a defesa que deu acesso a ela. A jornalista tentou também ter acesso a acusação, mas os integrantes desta não permitiram sua produção”.

Carolina conclui dizendo que acredita que a obra consegue realizar uma análise mais profundas dos fatos por ter um foco bem definido: o processo de impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousself em Brasília, no Planalto a partir da votação na câmara. “Ela não entra na questão do juiz Sérgio Moro ou do Lula, é como se eles nem existissem ali de certa maneira. O Lula só aparece em duas cenas e não fala nada. É como se ele não existisse e ambos são peças importantíssimas do cenário político brasileiro, mas nesse filme a diretora teve esse recorte muito determinado,” disse.


Política e sétima arte
Published:

Política e sétima arte

Published: